Para onde vão os eventos corporativos? Tão ou mais impactado pela pandemia quanto as viagens, o setor pode ter sofrido mudanças que vieram em definitivo, e resta aos gestores se adaptarem à nova realidade.
Empresas precisam sempre estar de olho no futuro, e o futuro das reuniões é uma área especialmente importante para se pensar. Afinal, em muitos casos, as reuniões de negócios ocupam uma parte substancial do orçamento e da carga de trabalho das corporações, e esse tempo tem de ser inteligentemente otimizado para que os melhores resultados comerciais sejam gerados, ainda que na maioria dos casos os recursos financeiros tenham sido reduzidos.
Tecnologia, segurança, comportamento, higiene, conforto, bem-estar. São tantos elementos demandando cada vez mais de um profissional completo que, em tantas situações se vê só e/ou tem de se desdobrar com uma equipe reduzida. Um evento é feito de detalhes e qualquer deslize pode arruinar meses de trabalho. Certamente você lendo este texto em 2019 já haveria de concordar com o quão desafiador é liderar eventos no Brasil, mas aí veio 2020 e o vírus que transformou todo o modo de trabalhar, de viver, de se relacionar, de se cuidar.
A pandemia acelerou alguns processos que estavam previstos para acontecer em um horizonte de cinco a dez anos. Em um País onde a cultura de se relacionar é latente, existia grande resistência com algumas tecnologias no setor. Reuniões on-line eram realidade apenas para grandes empresas, principalmente multinacionais. O home-office era visto principalmente como uma prática para startups moderninhas, uma prática sem grandes resultados. Mas quando se tornam obrigação, tendências são aceleradas.
“Acredito que algumas coisas ficarão como um legado, mas nem tudo foi positivo neste período. Houve também uma exaustão destas modalidades e a utilização de algumas ferramentas que antes seria algo do futuro passou por um desgaste muito grande, pois não foi algo gradativo, e sim uma imposição”, analisa o presidente do Grupo R1, Raffaele Cecere.
Na visão do empresário, a transformação dos eventos é algo que ainda está em curso, primeiramente porque a pandemia não acabou, e, além disso, porque hábitos levam tempo a serem incorporados. “As pessoas estão repensando seus modelos de trabalho, rotinas, métodos. Posso me arriscar a dizer que o modelo híbrido tanto de trabalho como de eventos veio para ficar, pois funciona muito bem e não prejudica absolutamente ninguém, muito pelo contrário, traz novas possibilidades”, completa Cecere.
Já Viviânne Martins, da Academia de Viagens Corporativas, acredita que o modelo híbrido de trabalho entre home-office e presencial seja uma realidade quando finalmente for possível dizer que a pandemia acabou, mas, por outro lado, eventos híbridos tendem a diminuir.
“Eventos híbridos, on-line e presencial acontecendo ao mesmo tempo, são, na verdade, eventos duplos. Além do custo com as ferramentas virtuais para sua realização, há as despesas com AeB, infraestrutura, logística e outros custos. Eventos híbridos acontecerão apenas em lugares mais preparados, para empresas mais robustas”, prevê a especialista.
E se antes era praticamente tudo presencial e fomos submetidos à obrigação de realizar eventos on-line, o que é possível dizer que deu certo? Gestora da Bayer, Juliana Patti acredita que essa divisão está clara, ao menos na realidade da sua empresa.
“Treinamentos funcionam. Este período de afastamento mostrou que não há necessidade de colocar todo mundo em uma sala para reuniões de alinhamento de técnicas de vendas, procedimentos simples. Reuniões básicas que antes demandavam deslocamentos e bloqueios de uma tarde toda de agenda hoje são resolvidos rapidamente e com a mesma eficiência. Também acredito que algumas premiações, apresentação de novos produtos e aplicação de provas possam ser bem-feitas no ambiente virtual. Claro que cada empresa tem a sua particularidade”, pondera a executiva.
"Por outro lado, há reuniões em que o presencial surte mais efeito. Definições de grandes metas, abertura de estratégias e assuntos que exigem uma injeção de confiança, um lado motivacional, fazem mais sentido ser presencial."
E talvez essa não seja realidade só na Bayer. Vivi Martins concorda que treinamentos e reuniões têm espaço no ambiente virtual e são eficientes principalmente para alinhamento com equipes de diversas regiões, mas exemplos como feiras de exposição são ineficientes.
“Estandes online não engajam. As pessoas precisam ter as sensações envolvidas ao entrar em um espaço, conhecer um produto. E o virtual também é insuficiente para fazer networking. Nada substitui o olho no olho, uma boa conversa frente a frente. As tentativas de promover relacionamento por meio de conferências na internet são geralmente frustradas.”
É fundamental que o gestor tenha, portanto, esse olhar crítico de confrontar o objetivo do evento com o formato e o budget à disposição. Se antes era tudo presencial, agora será crucial encontrar o meio termo, o bom senso.
ENGAJAMENTO
Várias ferramentas foram desenvolvidas para assegurar uma participação ativa dos profissionais em eventos à distância. Aí pode estar mais uma vantagem do modelo remoto contra o físico. Afinal, quem nunca foi para um evento em que os smartphones pareciam mais importante para a plateia do que o conteúdo transmitido no palco?
Pode parecer contraditório, mas a métrica de engajamento nos eventos on-line evoluiu de tal modo que o presencial pode acabar escapando aos olhos dos organizadores. Audiência, tempo de envolvimento, palestras atendidas e outros pontos de atenção são registrados em muitas das plataformas. Existe até empresa que beneficia os colaboradores que se mostram presente, com a câmera aberta, durante o evento.
“Já nos congressos, como medir o engajamento se o telefone se tornou uma ferramenta obrigatória no cotidiano dos profissionais? Todo mundo se acostumou e viciou em trabalhar pelos dispositivos que estão logo ali em seus bolsos. A pandemia acentuou o costume de usarmos o celular. A vergonha que antes tínhamos de ficar de olho no smartphone durante uma palestra não existe mais”, ressalta Viviânne Martins.
Outra maneira de engajar nos eventos virtuais é com o próprio conteúdo. “Trazer as pessoas para dentro da tela”, com storytellings atraentes, formatos diferenciados, como programas de TV, talk shows envolvendo os próprios colaboradores naquele cenário.
ESG
Tão impactante no mundo dos eventos quanto a pandemia são as questões sociais, de governança e ambientais. ESG viraram três das letras mais importantes nesses dois últimos anos e terão protagonismo na organização de grandes e pequenos encontros.
“Não só ESG como também ODS, os objetivos de desenvolvimento sustentável. Isso já está transformando a organização dos encontros na Bayer. Existe uma consciência de tentar promover menos deslocamentos, pensando em fazer eventos onde a maior parte dos participantes está baseada. E a duração das convenções também tende a diminuir visto que nem tudo precisa ser face to face. O gestor tem de fazer a leitura do evento, seus objetivos e pensar no melhor formato”, afirma Juliana Patti.
“Desperdícios têm de ser evitados nos mínimos detalhes. Realizar um congresso internacional próximo a uma rua de restaurantes, por exemplo, pode ser conveniente para evitar o transporte em massa de profissionais na hora do almoço. Além de tirar o custo do transfer, a queima de carbono com os carros é evitada.”
Neste sentido, hotéis e centros de eventos que proporcionem experiências novas, engajadas, seja de alimentação, área utilizável e com impacto na comunidade local saem na frente. Os fornecedores têm de estar envolvidos e ser criativos.
MAIS DESAFIADOR DO QUE NUNCA
Diante de tantas incertezas trazidas pela pandemia, nem todas as empresas terão budgets anuais destinados a eventos. Agora os orçamentos são mais curtos, talvez trimestrais ou semestrais, e isso gera muito mais trabalho ao gestor e à agência de eventos. Um dos pontos mais críticos é a quantidade de itens gerenciados para se fazer um evento corporativo, principalmente porque ainda há limitações e protocolos.
“Hábitos de higiene também são outro fator importante. Me recordo que, em 2009, por conta do H1N1, iniciamos a utilização do álcool em gel, porém desta vez será algo default, entre outras medidas, como uso de máscaras e evitar aglomerações desnecessárias”, opina Raffaele Cecere, presidente da R1.
O mix entre eventos à distância e presencial também gerou novas obrigações ao gestor. “Nesta nova era, quem produz eventos precisou adotar um perfil mais voltado para o business, onde ele precisa entender quem são os melhores patrocinadores, quais os dados a serem analisados e como trazer resultados consistentes para o cliente”, afirma o cofundador e CEO da startup Evnts, Alexandre Rodrigues.
“Com a enxurrada de eventos realizados em plataformas digitais, que possuem inúmeras funções e possibilidades de combinação, foi necessário com que o gestor entendesse muito mais sobre tecnologia e ter ao menos um conhecimento intermediário nas ferramentas que pretende usar. Outra habilidade que vem se destacando para este novo profissional é a possibilidade de fazer marketing digital e de conteúdo. Com a pandemia, esse conhecimento se tornou extremamente importante para a divulgação e prospecção de participantes em eventos on-line”, acrescenta.
A régua subiu. Um gestor de eventos cada vez mais completo, estrategista e menos operacional é exigido pelas principais empresas. “O que antes era um profissional preocupado com cardápio, setup da sala e fornecedores de vários tamanhos e características, agora é tudo isso e muito mais. O novo gestor de eventos tem de estar focado em conteúdo, e quando você o faz, se torna mais estratégico para entender os negócios 360º", completa Juliana Patti.
Com fé de que o pior já passou, Raffaele Cecere prevê que lentamente o setor vai sair fortalecido. “As perspectivas são boas, até porque chegamos ao fundo do poço, então qualquer coisa que seja melhor que isso, é um ganho enorme. Vai demorar muitos anos para nos recuperarmos do impacto que a pandemia nos trouxe, mas acredito que tenhamos de conquistar novamente a credibilidade, pois o setor de Turismo e Eventos foi um dos mais afetados pela crise. Apesar de tudo, estou otimista com o futuro.”